Um pouco sobre o design enganoso

Você já se deparou com situações em que você se sentiu meio que “induzido” a fazer determinada escolha em um site? Arrisco-me a dizer que provavelmente sim. É por isso que se torna necessário falar um pouco sobre o design enganoso – ou sobre os padrões obscuros, do inglês dark patterns.

Padrões de design enganosos são truques usados em sites e aplicativos que fazem você fazer coisas que não queria, como comprar ou se inscrever em algo. O prejuízo é seu, enquanto a empresa se beneficia do resultado.

Quando você usa websites e aplicativos, você não lê cada palavra em cada página – você lê e faz suposições. Se uma empresa quer enganá-lo no sentido de fazer algo que a beneficie, ela pode tirar vantagem disso fazendo com que uma página pareça estar dizendo uma coisa quando na verdade está dizendo outra. Veja a seguir alguns tipos de design enganoso:

  • Perguntas difíceis: ao preencher um formulário, você responde a uma pergunta que o engana a dar uma resposta que você não pretendia. Quando vista rapidamente a pergunta parece perguntar uma coisa, mas quando lida com atenção, ela pergunta outra coisa completamente.
  • Esgueirando-se no carrinho de compras: você tenta comprar algo, mas em algum lugar na jornada da compra o site introduz furtivamente um item adicional no carrinho, muitas vezes por meio do uso de um botão de opção ou caixa de seleção em uma página anterior que você não viu porque estava em fonte menor ou já pré-selecionada.
  • Motel roach: você entra em uma situação muito fácil, mas para sair é complicado que só (por exemplo, uma assinatura premium).
  • Falta de privacidade: você é induzido a compartilhar publicamente mais informações sobre si mesmo do que realmente pretendia.
  • Prevenção de comparação de preços: o varejista torna difícil para você comparar o preço de um item com outro, de modo que você não pode tomar uma decisão informada.
  • Sentido errado: o projeto focaliza propositalmente sua atenção em uma coisa a fim de distrair sua atenção de outra.
  • Custos ocultos: você chega à última etapa do processo de checkout apenas para descobrir que algumas cobranças inesperadas apareceram, por exemplo, encargos de entrega, impostos, etc.
  • Joga a isca e depois troca: você se propôs a fazer uma coisa, mas uma coisa diferente, indesejável, acontece em seu lugar.
  • Confirmação vergonhosa: o ato de culpabilizar o usuário a optar por algo. A opção de declinar é redigida de tal forma que envergonha o usuário para que ele se conforme.
  • Anúncios disfarçados: avisos que estão disfarçados como outros tipos de conteúdo ou navegação a fim de que você possa clicar neles.
  • Continuidade forçada: quando seu teste gratuito com um serviço chega ao fim e seu cartão de crédito começa a ser cobrado silenciosamente sem qualquer aviso. Em alguns casos, isto se torna ainda pior ao dificultar o cancelamento.
  • Spam amigo: o produto pede suas permissões de e-mail ou mídia social sob o pretexto de que será usado para um resultado desejável (por exemplo, encontrar amigos), mas depois envia todos os seus contatos em uma mensagem que afirma ser sua.

Exemplos práticos (e visuais) de cada uma destas categorias estão disponíveis neste link (em inglês). Há ainda uma outra lista com mais de 400 exemplos com um pouco sobre o design enganoso neste link (também em inglês).

Vale destacar que o design enganoso é uma área de pesquisa em rápido crescimento, particularmente nos campos da Interação Humana Computadorizada (Human Computer Interaction) e do Direito. Clicando aqui você obtém uma lista de leitura para ficar mais atualizado sobre o tema.

Por fim, é relevante trazer a listagem que o Comitê Europeu de Proteção de Dados indica como sendo exemplos de design enganoso. A listagem faz parte de uma Diretriz do órgão sobre o tema e que está em consulta pública, disponível neste link:

  • A sobrecarga significa que os usuários são confrontados com uma avalanche/grande quantidade de solicitações, informações, opções ou possibilidades, a fim de estimulá-los a compartilhar mais dados ou permitir, involuntariamente, o tratamento de dados pessoais contra as expectativas do sujeito dos dados. Os três seguintes tipos de design enganosos se enquadram nesta categoria: Alerta contínuo, Labirinto de privacidade e Demasiadas opções.
  • O ignorar significa projetar a interface ou a experiência do usuário de forma que os usuários esqueçam ou não pensem em todos ou alguns dos aspectos da proteção de dados. Os dois seguintes tipos de design enganosos se enquadram nesta categoria: Aconchego enganoso (a tradução para o português é ótima!) e Olhar para lá.
  • A agitação afeta a escolha que os usuários fariam ao apelar para suas emoções ou ao usar empurrões visuais. Os dois seguintes tipos de design enganosos se enquadram nesta categoria: Direção emocional e Escondida à vista de todos.
  • Impedir significa obstruir ou bloquear os usuários em seu processo de se informar ou gerenciar seus dados, tornando a ação difícil ou impossível de ser realizada. Os três seguintes tipos de design enganosos se enquadram nesta categoria: Beco sem saída, Mais longo do que o necessário e Informação enganosa.
  • A inconstância está presente quando o design da interface é inconsistente e não claro, tornando difícil para o usuário navegar pelas diferentes ferramentas de controle de proteção de dados e entender a finalidade do tratamento. Os dois tipos de design enganosos a seguir se enquadram nesta categoria: Sem hierarquia e Descontextualização.
  • Deixado no escuro significa que uma interface é projetada de forma a esconder informações ou ferramentas de controle de proteção de dados ou para deixar os usuários inseguros sobre como seus dados são tratados e que tipo de controle eles podem ter sobre o exercício de seus direitos. Os três seguintes tipos de design enganosos se enquadram nesta categoria: Descontinuidade linguística, Informações conflitantes e Textos ou informações ambíguas.

O complicado do design enganoso é que ele está na fronteira entre aquilo que é legal e o ilegal, tornando às vezes difícil a aplicação da legislação de proteção de dados – ainda que este seja um dos objetivos das Diretrizes do Comitê Europeu de Proteção de Dados (e é por isso que falaremos sobre esta Diretriz em breve).

A Autoridade de Proteção de Dados da França também fala um pouco sobre o design enganoso. Você pode adiantar a leitura clicando aqui, ou se preferir pode também aguardar um pouquinho porque o texto irá aparecer aqui no site.

Agora que você já sabe um pouco sobre o design enganoso, que tal ver um exemplo prático? Se você tem uma conta na Amazon, tente fechar a sua conta. Você nem precisa fazer isso com sua conta oficial: crie uma nova conta com outro e-mail e, em seguida, tente fechá-la. E depois volte aqui e diga nos comentários quanto tempo você gastou para abrir a nova conta e quanto tempo você gastou para (tentar) fechá-la!

Obs.: parte deste texto foi baseado no conteúdo disponível neste link.