Qual seria a sua reação se uma empresa qualquer dissesse a seguinte frase para você: “Eu não sei o que faço com seus dados, ou para onde eles vão”? Como você se sentiria?
Pois é isto que o Facebook alegadamente disse em um relatório divulgado publicamente no último dia 26 de abril de 2022. A reportagem divulgada pela Vice traz exatamente estas palavras em seu título: “O Facebook não sabe o que faz com seus dados, ou para onde eles vão”. E, considerando-se as práticas de privacidade da empresa, isto é bem capaz de ser verdade…
O sumário do documento, cujo original com 15 páginas está disponível neste link (em inglês), já indica a visão de privacidade do Facebook:
- Fomos surpreendidos em 2021 com mudanças regulatórias na UE e na Índia que restringirão o uso de dados coletados diretamente do usuário (1P); preparando o cenário para um empurrão regulatório global em direção ao consentimento para o uso de dados 1P no Facebook Ads.
- Nossos planos anteriores de aplicação da política já eram insuficientes (em qualquer prazo) para lidar com as preocupações com dados secundários. A lacuna com o sucesso (política de aplicação escalável) é agora uma ordem de grandeza maior com o aumento da governança de dados 1P.
- Não temos um nível adequado de controle e explicabilidade sobre como nossos sistemas utilizam os dados e, portanto, não podemos fazer mudanças controladas nas políticas ou compromissos externos tais como “não utilizaremos dados X para fins de Y”. E ainda assim, isto é exatamente o que os reguladores esperam de nós, aumentando nosso risco de erros e distorção.
- A solução desses desafios exigirá investimentos plurianuais adicionais no Facebook Ads e em nossas equipes de infraestrutura para obter controle sobre como nossos sistemas absorvem, tratam e armazenam dados. Este novo investimento é necessário, além dos investimentos em andamento na Estrutura de Políticas de Finalidades.
No documento há o reconhecimento de que o Facebook não tem um “sistema fechado”: “‘sistema fechado’ refere-se à união dessas propriedades desejáveis de um sistema: (1) Todos os tipos de dados inseridos, derivados e tratados pelo sistema podem ser enumerados e controlados; (2) Todos os usos de dados dentro do sistema podem ser enumerados e controlados; (3) Todos os usos de dados fornecidos por consumidores podem ser enumerados e controlados. Estas propriedades são o que torna um sistema rastreável, e controlável. Se não podemos enumerar todos os dados que temos – onde estão; para onde vão; como são usados – então como podemos assumir compromissos com o mundo exterior?”
Ao explicar a falta de controle do Facebook sobre os dados que coleta, a empresa se utiliza de uma analogia bastante interessante: “Imagine segurar uma garrafa de tinta em sua mão. Essa garrafa de tinta é uma mistura de todos os tipos de dados do usuário (de terceiros, primários, sensíveis, vindos da Europa, etc.) Você derrama essa tinta em um lago de água (nossos sistemas de dados abertos; nossa cultura aberta) … e ela flui … para todos os lugares. Como você coloca essa tinta de volta na garrafa? Como você a organiza novamente, de modo que ela só flua para os lugares permitidos no lago?”
Em outras palavras, mesmo os próprios engenheiros do Facebook admitem que estão lutando para “criar sentido” para os dados coletados e também para e acompanhar para onde vão os dados dos usuários uma vez dentro dos sistemas do Facebook, de acordo com o documento.
Voltando à reportagem da Vice, há o depoimento de “um antigo funcionário do Facebook, que pediu para permanecer anônimo para evitar retaliações”. O funcionário “reviu o documento para a Motherboard e o chamou de ‘contundente’: ‘o Facebook tem uma ideia geral de quantos bits de dados são armazenados em seus centros de dados’, disse o antigo funcionário em um bate-papo online. ‘A parte para onde [os dados] vão é, em termos gerais, um completo shitshow’.”
Temos aqui um exemplo claro da toxidade dos dados pessoais, tema que já foi abordado nesta outra postagem.
Em tempo: Brasil é considerado pelo Facebook como um “trabalho modesto” em termos de adequação à LGPD (ver imagem à pág. 2 do documento acima indicado).
Você (ainda) tem conta no Facebook? Usa a rede social? Sente-se confortável com a frase “Eu não sei o que faço com seus dados”? Deixe abaixo seus comentários!